“É hora de colocar o professor no topo da pirâmide de prioridades”

Em palestra para professores e parceiros da iniciativa, o professor de História relembrou sua passagem pelas salas de aula, frisou a importância dos docentes na busca por uma sociedade melhor e defendeu uma ação coletiva de proteção aos educadores como forma de mostrar ao poder público o engajamento comunitário em prol da qualidade no ensino. “O professor precisa de liberdade, admiração e um salário de juiz”, enaltece.

Nascido em Porto Alegre em fevereiro de 1959, Werner Schünemann se formou pela UFRGS. Entre 1980 a 83, foi professor para alunos de 14 aos 17 anos.

Na passagem pela região, visitou a sede do A Hora, concedeu entrevista coletiva no restaurante Chef Imec e esteve no Centro Regional de Oncologia (Cron) em Estrela. Para ele, o movimento conjunto entre organizações civis e públicas para valorizar a atuação dos professores serve como exemplo de cidadania. “A comunidade precisa tomar as escolas e os professores nos braços e mostrar ao poder público como queremos que seja a educação”, defende.

Ator conhecido pelas posições políticas, Schünemann sustenta que a única forma de se ter uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária é por meio do ensino de qualidade. Sob essa tônica, enalteceu o comprometimento dos parceiros na iniciativa.

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O PENSE tem por objetivo estimular professores e alunos para transformar o processo de aprendizado, também proporcionar melhoria na autoestima dos professores por meio de cursos e intercâmbios.

A organização do programa estima alcançar 4,7 mil professores e mais de 50 mil alunos. “É algo inédito no país. Não tenho conhecimento de um projeto com esse formato”, frisa Schünemann.

Para ele, o sistema educacional cria amarras sobre os professores. As exigências de cumprir o cronograma de conteúdos e avaliar por meio das provas afasta o educador do aluno. “Professor não é carrasco.”

Em quase duas horas de entrevista, abordou as dificuldades, os desafios e como seria a escola ideal. Também falou sobre política e o avanço dos movimentos reacionários no país.

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(SEM LEGENDA)

Entrevista

Como esta concepção de programa com envolvimento comunitário pode interferir na sociedade?

Werner Schünemann – Penso que essas iniciativas comunitárias são como o mundo deveria funcionar. Não podemos esperar tudo do poder público. Não acho que deva partir dos governos esse tipo de movimento. Eles têm de fazer o que a sociedade disser para fazer.

O PENSE é uma iniciativa das pessoas. Envolve vários segmentos da comunidade em torno de uma ideia fundamental para todos. Não existe família, profissão, atividade, segmento social que não tenha a presença do professor. Só há uma maneira de melhorar o mundo: se todos abraçarem as escolas.

Nossa implicância com o poder público tem bons motivos, mas também tem um pouco de preguiça. Não existe o governo fazer um projeto como o PENSE. Ele funciona melhor com a atuação comunitária, pois essas pessoas estão envolvidas, conhecem a realidade local e sabem o que deve ser feito.

Partindo da afirmação de que a sociedade tem de dizer ao governo o que fazer, como as decisões políticas interferem no processo educacional?

Schünemann – Eu inocento o poder público de muitas das queixas, pois elas acontecem por nossa culpa. Porque estamos elegendo os deputados errados. Estamos muito preocupados com a eleição para presidente, mas é no Congresso que estão sendo feitas as leis. Eles que estão aprovando. Lá que estão fazendo um país retrógrado.

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No livro de Edir Macedo, chamado Plano de Poder, há o caminho para dominar a nação e eles vão tomar o poder. Não agora, daqui uns 15 anos. Eles querem ter 60% do Congresso. Pra que eleger presidente? Não precisa. O presidente envia o projeto, eles não votam. Só aprovam o que querem.

Frente ao avanço dos movimentos reacionários, de grupos que defendem o regime militar e o cerceamento das liberdades individuais. Qual o risco disso para a democracia?

Schünemann – É um movimento mundial. Só que no Brasil o pêndulo está indo rápido demais para esse reacionarismo. O conservador não é o problema, o problema é ser retrógrado. Não tenho qualquer tipo de simpatia ao Bolsonaro. Eu acompanhei palestras dele, li o que ele escreve, ouvi o que fala. Nem chegam a ser ideias.

Mas ele tem de ter liberdade para ir a Bagé defender seu ponto de vista sem ninguém pegar relho ou fazer barreiras. Esse negócio de proibir gente de falar, e depois achar engraçadinho nas redes sociais, está errado. É ruim um país que vem daí. É um país nojento, autoritário, opressor, déspota. Aquelas pessoas são prepotentes. Eu não quero isso pro Bolsonaro, para a Marina, para o Alckmin ou para o Lula. Não quero isso para ninguém.

Este país que está vindo, ele tem uma espécie de radicalismo religioso junto. Há grupos que voltaram ao velho discurso do TFP (tradição, família e propriedade). Moro no Rio de Janeiro. Uma cidade comandada por um pastor. Aos poucos, todas as funções públicas têm pessoas da fé dele comandando.

Isso é um problema. Pois traz consigo imposições retrógradas. São pessoas contra isso, contra aquilo. Nosso Estado é laico e religião que é contra não é religião.

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(SEM LEGENDA)

Esse modelo inclusive começa a chegar na educação e no trabalho do professor. Projetos como o Escola Sem Partido interferem de que maneira nas salas de aula?

Schünemann – Escola sem partido é um partido. Penso que a liberdade que se alcançou nos países desenvolvidos é o ideal. O que eles querem aqui é um ideal paraguaio. Cubano. Sim. Em Cuba tem controle nas escolas. Tenho certeza que na Coreia do Norte também há fiscalização sobre os professores.

Duvido que algum professor aceite ser controlado na França ou na Alemanha. Nos Estados Unidos, na Inglaterra. De jeito nenhum. Imagina dizer para eles o que podem fazer ou não. Só em países ditatoriais essas teses de controle nas escolas ganham força.

Em termos de sociedade. De percepção da realidade. Pessoas se apegam a soluções fáceis para problemas complexos. Vamos liberar o porte de armas, prender menores, pena de morte. Qual a dificuldade para as pessoas conseguirem estabelecer relações entre educação, política e sociedade para defender as liberdades individuais como caminho para um país mais culto e preparado?

Schünemann – Pela primeira vez vou falar isso em uma entrevista. Falo sempre em tom de brincadeira. Por que a gente tem de armar a população? Temos de armar pessoas que sofrem violência. Temos que armar o artista plástico que é impedido de trabalhar devido aos piquetes do MBL na frente dos museus.

Temos que armar o jogador de futebol, o juiz de futebol e a próxima vez que aquele japonês da Veja aparecer em uma exposição da arte, mete bala. Por que ele está impedindo o artista de se manifestar. De trabalhar. É isso? Não, daí ninguém vai querer essas soluções fáceis. No Rio de Janeiro, estamos com a intervenção federal. Conforme o Exército havia falado, não estava preparado para fazer. O general nomeado disse isso antes da decisão do presidente. Daí foi viajar para o Caribe e teve que voltar.

As ações, até agora, não foram de enfrentamento. No Rio, esse polícia contra bandido já mostrou que não dá certo. Essa guerra contra o tráfico de armas e de drogas não dá certo. Esse projeto de segurança não deixa o planeta mais seguro.

Inclusive os recursos pedidos pelo interventor, algo próximo dos R$ 3 bilhões, nunca foram investidos nas comunidades carentes do Rio de Janeiro.

Schünemann – Não. Nunca. Sendo que R$ 1 bilhão é só para saldar dívidas. Temos uma noção do que será feito com os R$ 2 bi restantes. Será gasto em saneamento básico, em projeto social e educação. O interventor vai fazer o mesmo que aconteceu no Haiti. Eles estão pensando na lógica de cuidar das pessoas.

Nas favelas, não são todos bandidos. São dois milhões de pessoas e 200 bandidos que colocam toda a população à mercê deles. Ali é outro país, com outras regras.

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Não vejo solução a partir do enfrentamento. O tráfico de armas, não tenho ideia de como resolver, pois há uma demanda crescente no mundo todo.

O tráfico de drogas é fácil de resolver. Tem que legalizar a droga e tirar o poder econômico dos criminosos. Eles têm grana. Têm aviões, helicópteros. Não é o passador pé rapado de chinelo e boné na esquina. Os grandes traficantes do mundo e do Brasil são contra a legalização. Então, abram o olho com os políticos que defendem a repressão, pois o crime organizado precisa de leis restritivas.

Al Capone na Lei Seca dos EUA é um exemplo.

Schünemann – Isso. A Lei Seca parece tão longe. Mas, sempre que se proíbe algo, estamos criando milionários.

A frase de Pitágoras: “Educai as crianças e não será preciso punir os homens”. Na nossa sociedade, em que se valoriza o juiz, a punição, qual a mensagem que está sendo passada?

Schünemann – A supervalorização do Judiciário é recente. Pensamos que o ato de punir é algo saneador. Não temos exemplo na história da humanidade em que uma sociedade punitiva seja melhor, que garanta mais felicidade ao povo, nem mesmo que garanta mais segurança. Pelo contrário, começamos a temer quem pune.

Estamos em um momento ruim que veio da política. Imaginamos que punir os políticos vá fazer uma decupação no país. Infelizmente, não vamos limpar o país com isso.

O mandato é uma invenção humana. Ele é muito importante. Só não é mais importante do que a vida. Por isso, matar um político é tão grave. Quando começamos a tratar o mandato como algo pequeno, a dizer que o político tem que morrer, estamos em risco. Eles são a reunião da soma da população.

Sobre a questão do Judiciário, precisamos respeitar os juízes, mas também compreender que são seres humanos, com tantos defeitos como os outros. Podemos até listar. Fazer greve por causa do auxílio- moradia é ridículo, constrangedor.

Os juízes chegaram nesse cargo sem votação. Por que não votamos para juiz? Eu quero votar para juiz. Eles fazem greve, botam familiares de até segundo grau no plano de saúde, ganham auxílio-livro, moradia, terno. Isso pago por todos nós.

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Como a educação pode favorecer um ambiente mais democrático, respeitoso e livre?

Schünemann – Com o professor, principalmente. O legal no PENSE é isso, ele se volta para o professor. Nas manifestações de políticos e de governantes, os discursos colocam o educador como mais um item. Se fala em construir escolas, em comprar computadores, melhorar o laboratório, no professor…

Não é assim. Pegamos o exemplo socrático, do professor caminhando na rua com os alunos. Nessa intervenção ele está ensinando. Ele pode ensinar em um saguão, no pátio.

Agora coloca o aluno dentro do prédio. Em uma sala cheia de computadores. Ele não aprende sozinho.

É hora de colocar o professor no topo da pirâmide de prioridades. Ele é o mais importante.

Como tornar esse conceito realidade?

Schünemann – Não restringindo na docência. No currículo, nas exigências legais. Libertando o professor para as experiências humanas do aprendizado. A aula deve ter significado para o aluno. É uma experiência à vida.

Um exemplo bom é pensar sobre a autoridade. Há dois tipos: autoridade imposta e também a no sentido de reconhecer determinada pessoa. De valorizar o profissional. Essa autoridade deve ser concedida.

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Isso consegue com crianças irriquietas e adolescentes cheios de hormônios por horas excessivas dentro de uma sala de aula? Sim, é possível, pois são seres inteligentes. Rebeldes? Sim. Questionadores? Muito, Transgressores? Espero que sim. Mas é possível estabelecer padrões.

Um cara da minha geração, de roqueiro, punk, escreveu que disciplina é liberdade. É verdade. Até a gente entender isso, disciplina é uma prisão. Mas o professor precisa mostrar a liberdade em termos obrigações. Em cumprir horário, mas escolhendo o que nos faz bem.

Para tanto, temos de ter um professor estimulado. Não ser pressionado a dar conteúdo por que semana que vem tem prova.

Como seria a escola ideal?

Schünemann – De tempo integral. O valor de uma escola se mede nas possibilidades extracurriculares. Tem de ter a Matemática, Português, Ciências. Mas também oferecer música, teatro, grupo de ecologia, esportes, design, clube de xadrez. Eu estudei em uma escola que tinha isso. Passei pelo atletismo, teatro. Lembro que nas quintas e sextas eu era liberado da aula para treinar porque tinha competição sábado. Ou ia ensaiar porque tinha espetáculo.

A escola não fazia essas atividades como se fosse algo sem importância. Como se não tivesse mais nada para fazer. A escola participa e incentiva a presença do aluno naquele ambiente. A partir disso, um monte de gente conseguiu perceber o que gostava.

Nós não somos uma coisa só. Temos de trabalhar as aptidões. Não é só o trabalho. O adulto pode ter a pintura como hobby, ou a fotografia, ou a música. Tudo isso faz parte da educação. Claro que o conteúdo é importante. Mas com opções, até isso muda. A relação do aluno com a escola fica diferente.

E a relação família e escola?

Schünemann – A casa da criança não pode ser uma extensão da escola. A mãe não tem de ajudar a fazer o tema. Aprendizado não é castigo. Tema não é castigo. Estudar não é punição.

O melhor lugar do mundo para a criança é a família. Depois é o colégio. O dever tem que ser feito na escola. Em casa, é só o pai, a mãe. Dedicar o tempo ao convívio familiar.

Do contrário, o pai pega o tema e cobra. Ele não sabe ensinar, pois não tem didática. Daí ele ameaça com castigo. Isso não é didática, isso se faz com bois que puxam carroças.

A imersão tecnológica impacta nas salas de aula. Como o professor deve se preparar para isso?

Schünemann – No passado, nenhuma empresa, nenhum especialista, estudioso, governo antecipou a nossa relação com os celulares, ou como eles virariam ferramentas para o dia a dia. As previsões econômicas foram feitas sem isso. Agora, vamos adaptando e resolvendo no cotidiano e o professor recebe o problema na ponta. O aluno chega com a tecnologia e não sabemos como agir.

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O Adair (Weiss, diretor-geral do A Hora) citou uma frase de Umberto Eco durante o lançamento do PENSE. “A internet deu voz aos imbecis”. Isso sempre ocorreu na civilização. A fofoca é uma categoria do comportamento comunitário. Pela Antropologia é um suporte para evitar o isolamento. É como quando uma vizinha vem lhe falar sobre algo pavoroso que o outro fez. Isso não se trata como verdade.

Na internet, isso virou, com meia dúzia de regras de redação jornalística, uma arma. Fazem manipulação de fatos, de eventos, justaposição de imagens, mudam significados. Penso que esse fascínio não vai durar muito.

O PENSE foi elaborado para valorizar o professor. Colocá-lo como protagonista. Como fazer isso?

Schünemann – Queria fazer uma campanha. Equiparar o salário dos professores ao que ganha um juiz do STF. Pois o magistrado só chegou lá porque teve professores.

Não estamos dando a devida ênfase ao profissional de ensino no Brasil. Darcy Ribeiro (antropólogo, escritor e político) dizia que os problemas de ensino no país não são um problema, mas um projeto.

A elite, defende o autor, projetou um ensino deficitário, com o sucateamento das escolas e a redução dos salários dos professores. Isso para entregar a educação para grupos de poder e eventuais iniciativas privadas.

Hoje, ao pensarmos, parece fazer sentido. Vejo que se tem mais investimento nos últimos 80 anos em estradas do que em educação.

Estradas são importantes, mas temos de colocar a educação como prioridade. As outras são paralelas e dessa maneira planejar os próximos 20 anos.

Nada vai adiantar se não tivermos educação. Temos exemplos pelo mundo. O professor no Japão é pop star. Ele é professor. Não é um ator. É um professor. Ele é muito mais. É professor. Esse prestígio perdemos.

Agora os professores são submetidos a um constrangimento por ser professor. Esse é um resultado quase patológico de algo que deixou de ser pensado.

Filipe Faleiro: [email protected] | Cristiano Duarte: [email protected]

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