Comportamento, saúde e liderança em debate

Os temas parecem divergentes. Mas a relação interpessoal, a partir do bullying, presente no cotidiano das escolas, impacta sobre a saúde e sobre o comportamento dos jovens. A atividade com os estudantes e professores do Ceat foi dividida para dois públicos. Os alunos do 5º ano participaram das brincadeiras organizadas pelo Sicoob, com intuito de estimular a cooperação.

No teatro do colégio, estavam os estudantes do 8º e 9º ano para o painel com a coordenadora do Setor de Imprensa da Univates, Elise Bozzetto, com o médico do Cron, Renato Cramer, e com o coordenador do Instituto Dale Carnegie no Vale do Taquari, Henrique Kuhn. A conversa foi conduzida pelo diretor de conteúdo do A Hora, Fernando Weiss.

Na abertura,Elise Bozzeto abordou o comportamento na internet, a consciência digital e o bullying no ambiente escolar, sob o ponto de vista do impacto das ofensas no desenvolvimento dos jovens.

Segundo ela, a internet é uma ferramenta importante e poderosa. Tem capacidade de alcance mundial e democratizou a produção de conteúdo. “Se entrarmos no bullying na internet, o chamado cyber bullying, é muito prejudicial para quem sofre. Pois a dimensão é imensurável e a pessoa-alvo não tem nem como se defender.”

Quando se trata de adolescentes, diz Elise, é preciso estabelecer comportamentos positivos para coibir essa prática de “brincadeiras” ofensivas. Por ser um momento de afirmação da identidade, contextualiza, por vezes, os jovens entram no “sarro” sem conseguir ter a dimensão do quanto isso pode prejudicar o outro. “Todos têm problema e podem sofrer com o bullying ou com a exclusão. O importante é não ficar sozinho. Dividam essas angústias com os professores”, aconselha.

Nível de felicidade

“Vou tentar convencer vocês a serem pessoas legais.” Com essa provocação, Elise apresentou estudos mundiais sobre a psicologia positiva. Segundo ela, neurocientistas pesquisaram as causas da felicidade. Descobriram, discorre Elise, que as pessoas que conseguem desenvolver bondade e compaixão são mais felizes que as demais. Fazer o bem garante uma felicidade mais duradora e perene do que os bens materiais.

Quem pratica o bullying é o contrário disso. “Quem tem esse comportamento, é obvio que também vai sofrer por causa disso.” De acordo com a representante da Univates, os pesquisadores também avaliaram a carga genética das pessoas, questões de cunho social, status, trabalho, onde vivem, conquistas materiais e, por fim, as atitudes. “Em torno de 40% do nível de felicidade está vinculado a como nos posicionamos. Ao nosso comportamento dentro de um ambiente.”

A partir disso, afirma, para que as relações humanas sejam cada vez melhores, é preciso contribuir com comportamentos positivos. “O único poder que temos é sobre a gente mesmo. Sobre nossas atitudes. Qualquer um de nós é responsável por termos um ambiente melhor, seja dentro da escola, em casa ou na comunidade.”

Assuntos como bullying, cuidado com o corpo e a mente, autoconfiança e atitude prenderam a atenção dos alunos durante o painel de mais de uma hora
Assuntos como bullying, cuidado com o corpo e a mente, autoconfiança e atitude prenderam a atenção dos alunos durante o painel de mais de uma hora

Perto de quem está longe e longe de quem está perto

A bondade e a generosidade, afirma o coordenador do Instituto Dale Carnegie no Vale do Taquari, Henrique Kuhn, diz muito sobre atitudes de liderança. “Se interessar verdadeiramente pelo outro é um ato de generosidade”, diz.

Com base no livro Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnegie, o instrutor realça a importância de estar integrado com as pessoas, de ouvir e se interessar pelo outro. Isso é fácil?, pergunta Kuhn. “Nem sempre. Principalmente durante a adolescência. Essa é uma etapa em que o jovem está interessado naquilo que gosta de fazer”, responde.

Estar conectado na internet, vendo vídeos no youtube, nos jogos virtuais e nas conversas no Whatsapp é um estimulo que por vezes parece não haver tempo para se interessar pelo outro, explica. “Às vezes, ficamos próximos de quem tá longe e longe de quem está perto.”

Para Kuhn, exercer liderança também é se posicionar, ficar perto dos amigos, dos pais, dos primos, dos professores. “O relacionamento interpessoal é uma oportunidade de compartilhar coisas legais. Pois a vida é assim. Fomos convidados para uma grande viagem e não há sentido em fazer ela sozinho.”

Consequências à vida

O bullying pode acarretar uma série de danos ao indivíduo, aponta o médico do Cron, Renato Cramer. Desde doenças psicológicas, como depressão, transtornos de humor, como também repercutir no desenvolvimento de vícios, como o cigarro, álcool e drogas. “As pessoas reagem de forma diferente aos mesmos estímulos.”

O médico relembra da juventude. “Eu sofri com isso. Eu era gordinho e não sabia jogar futebol. Os outros debochavam disso e me magoavam. Com o apoio dos professores, de alguns amigos e da minha família, consegui superar.”

Para ele, há dois caminhos. Baixar a cabeça e aprender a conviver com os rótulos que os outros impõem, ou mudar. “Na idade em que eu estava, não tinha maturidade para saber disso. Eu tive líderes na minha vida. Eles viram e me auxiliaram. A orientação dos adultos foi fundamental para superar essa etapa.”

Quem sofre com essas “brincadeiras” depreciativas, se sente excluído, diz o médico. Esse sentimento pode interferir na fase adulta.

Julgamento diário

Estudantes do 8º ano, Bruna Spiekermann Herrmann e Isadora Gimenez, ambas com 13 anos, afirmam que o bullying faz parte do cotidiano. “Qualquer coisa, que qualquer pessoa faça, ela é julgada”, diz Isadora.

As jovens dizem que é necessário diferenciar o que é “zueira” do que é bullying. “Deixa de ser brincadeira quando magoa e ofende”, acredita Bruna. A partir disso, acreditam ser necessário respeitar e estabelecer limites.

Conforme o diretor do Ceat, Rodrigo Ulrich, esse assunto é tema recorrente dentro do colégio. “Temos de evitar esses episódios e entender que, muitas vezes, aquele que pratica o bullying precisa de tanta ajuda quanto aquele que sofre.”

Na avaliação dele, movimentos como a caravana nas escolas têm o potencial de consolidar o conhecimento, ampliar os olhares e as discussões sobre a sociedade. “Há chances de ações como essas gerarem aprendizado, conhecimento e auxiliar no processo formativo dos jovens.”

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Entrevista

“Vivenciar o que tem valor”

O diretor do Ceat, Rodrigo Ulrich, avalia como positivo o envolvimento de setores externos à escola em propor uma ação para valorizar o ensino e o professor.

Qual sua opinião sobre a iniciativa do PENSE. De que forma pode ser positivo a participação de segmentos públicos e privados na promoção do conhecimento?

Rodrigo Ulrich – É fundamental vivenciar aquilo que entendemos que tem valor. E o PENSE passa por isso. Conseguir autorizar, garantir, que aquilo que tem valor exerça seu papel, como nessa temática da educação. Hoje, algumas vezes esses movimentos não são compreendidos ou não ficam claros.

Ações como o PENSE vão ao encontro disso, de resgatar o valor do ensino, fazendo ele acontecer não só no discurso ou no entendimento de que é importante. Mas exercendo um compromisso social. Essa é uma maneira importante de colocar em prática algo que entendemos ter valor.

Por vezes, as informações se sobrepõem ao conhecimento. Neste mundo imerso na tecnologia, o papel do professor ganha novos contornos. Como o mestre deve estar preparado para lidar com essa nova realidade?

Ulrich – Não acredito que algo mude. Vamos pensar no professor dos anos 60, em que não havia esse bombardeio de informações. Como ele lidaria com esse fenômeno atual? Como será a postura dele? Sem dúvida, teria muito para ensinar e com atitudes muito belas.

Na mesma linha, o professor de hoje tem condições de lidar com esse fenômeno com muita propriedade, pois ajuda a ampliar o entendimento sobre a liberdade de expressão de todos. Esse é o grande papel dos cidadãos e o que mais se espera do professor. Esse profissional está em uma condição diferente quando consegue dar exemplo e orientar o aluno frente ao repertório de informações da atualidade. Assim ele cumpre sua missão e consegue formar os jovens.

Falar em gerar o conhecimento a partir da informação, se debate muito o papel de contribuir com o aluno e fazê-lo aprender a pensar por si próprio e fazer suas conexões…

Ulrich – Isso. Para conseguir, o aluno precisa de conteúdo. Por que uma fake news se dissemina? Por que, as vezes falta conteúdo para quem acessa. Se eu tenho conteúdo, vejo que aquilo que foi compartilhado não tem cabimento.

Entendo que, por vezes, o apelo social da educação precisar dar conta de uma série de outros problemas sociais faz com que a escola perca um papel no conteúdo. É justamente essa a ração inicial das escolas, promover a cidadania a partir do conhecimento. Isso é fundamental. Eu preciso conhecer as coisas. Vencido isso, o professor vai contribuir com o estudante para ele saber diferenciar as informações e ter conhecimento.

Filipe Faleiro: [email protected] | Cristiano Duarte: [email protected]

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