A Hora lança projeto inédito

Profissionais responsáveis pelo ensino das crianças e adolescentes que construirão o futuro da sociedade, os professores enfrentam a ausência de políticas públicas que ajudem no desenvolvimento da atividade.

Pensando na transformação desse cenário, o A Hora lança nesta segunda-feira, 26, o projeto Pense Solidário. Todos os anos, dez professores e cinco escolas serão premiadas com cursos, aquisição de equipamentos, viagens de estudos e financiamento de projetos.

De acordo com o diretor-geral do A Hora, Adair Weiss, o objetivo é provocar uma reflexão sobre o verdadeiro papel e o valor de um professor para a sociedade. “Nós não podemos salvar o mundo, o Brasil ou nosso estado. Mas podemos fazer alguma coisa na nossa região.”

Segundo ele, o A Hora tem esse compromisso, e a convicção de que a educação é a base para a evolução e o progresso da sociedade. Conforme Adair, a empresa idealiza o projeto, entre outras coisas, porque o futuro do jornalismo depende do discernimento das pessoas.

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“Se não tivermos pessoas esclarecidas e educadas, não teremos leitores e nem jornais”, alerta. Para o diretor do A Hora, essa convicção precisa transcender as empresas e negócios. Para ele, todos os cidadãos precisam perceber que se hoje existem médicos, empresários, advogados e profissionais das mais diferentes áreas é porque um dia tiveram professores que fizeram a diferença.

“É um contrassenso e uma incoerência não olharmos para o professor com a devida atenção, pois ele é a base de toda a sociedade”, ressalta. Diante desse cenário, aponta, o A Hora e as demais empresas e parceiros do projeto se unem em torno da proposta.

Ações previstas

A intenção é construir um programa com ênfase no aperfeiçoamento de professores e no desenvolvimento de projetos escolares voltados para a melhoria da relação entre docentes, estudantes, família e escola.

Para estimular a melhoria da qualidade de vida de alunos e professores, estão previstas palestras, debates e seminários na área de saúde e bem-estar, relações humanas, estímulo à profissionalização acadêmica, formação de liderança, cooperação, educação financeira e tecnologia.

O projeto estipula ainda a criação de uma rede de apoio aos professores, proporcionando oportunidade para ampliar o conhecimento e aumentar a autoestima. Outra ação prevista é a formatação de uma rede de convênios para tornar bens e serviços mais acessíveis aos professores.

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Também será formatado um canal virtual para troca de ideias e reflexões, tendo o professor como elemento essencial e protagonista. O Pense ainda visa elaborar desafios que estimulem a renovação dos profissionais, incentivar a troca de experiência entre as escolas e a universidade e manter em evidência as questões relativas à educação e qualidade de vida dos professores por meio de matérias e um caderno especial no A Hora.

As atividades serão financiadas pelo Fundo Assinante Solidário do A Hora, além de investimentos de organizações parceiras. Entre elas, estão Univates, 3ª CRE, Amvat, Asmevat, Cron, Dale Carnegie e Sicoob.

“Ser professora é ser um pouco mãe”

Aos 90 anos, Francisca Xavier Braga serve de inspiração para os jovens professores. Dedicou 32 anos ao magistério. Moradora de Estrela, afirma que o desejo de dar aulas veio desde criança. “Tinha 4 anos, quando meu pai perguntou pela primeira vez o que eu queria ser quando crescer e respondi que queria ser professora.”

Francisca concluiu os estudos na cidade de Seberi para onde foi com a família em meados do século passado. Aos 17 anos, recebeu o convite para ingressar na profissão por meio da diretora da escola onde estudava.

A educadora iniciou na profissão em 1945, em uma escola que estava sendo aberta no interior de Seberi. Segundo ela, o local não tinha uma infraestrutura organizada, fazendo com que começasse as atividades na casa que pertencia ao seu pai. “Pegamos cadeiras e mesas e comecei a dar aula em uma sala da casa.”

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(SEM LEGENDA)

Após ficar 12 anos nessa escola, Francisca foi transferida para uma colégio rural na cidade de Iraí. Lembra das dificuldades para manter professores no educandário, devido ao comportamento rebelde dos alunos.

“Para mim não havia problemas, pois sempre fui bastante enérgica e fazia reuniões com os estudantes e pais. Ao todo, eu tinha 108 alunos”, destaca. Meses depois, os pais de Francisca adoeceram e ela voltou para Seberi, onde enfrentou um novo desafio.

“Fui transferida para uma comunidade do interior onde só havia descendentes de poloneses e ninguém falava português”, lembra. Em 1964, Francisca voltou para o Vale do Taquari para lecionar na escola Jacob Arnt, em Bom Retiro do Sul. Depois, ficou sete anos na escola Pedro Braun, em Linha Glória, Estrela, e encerrou a carreira na escola Nicolau Mussnich, onde se aposentou.

Segundo ela, o tratamento dado aos professores, seja por alunos, pais ou pela sociedade em geral, é a principal diferença dos tempos em que era professora. Lembra que o respeito aos profissionais era absoluto. “Até hoje tem alunos que quando me veem me abraçam, atravessam a rua para me cumprimentar.”

Para ela, as pessoas precisam valorizar mais o professor porque ninguém chega a algum lugar sem o auxílio desses profissional. Francisca acredita que ser professora é ser um pouco mãe de cada um dos que passam pelas salas de aula. Por isso, entende que a sociedade deveria dar mais importância aos educadores.

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Estudante de Magistério no Instituto Educacional Estrela da Manhã, Taís Ferla se inspira na história de vida de mestres como Francisca. Segundo ela, a opção pela docência ocorreu pela vontade de sair do Ensino Médio com uma profissão voltada para a educação.

Segundo ela, ser professor é uma missão nobre e essencial, cujo papel é não apenas passar conteúdos aos alunos, mas sim mediá-los para um futuro melhor. “É fazer eles pensar e torná-los cidadãos conscientes.”

Conforme Taís, para desenvolver um bom trabalho, o profissional precisa ter força de vontade e amor pelo que faz, mas também respeito e valorização por parte das pessoas ao redor do ambiente escolar e da sociedade como um todo.

29 anos do primeiro sindicato do Vale

Desde os primórdios da colonização do Vale do Taquari, as escolas desempenham papel fundamental na formação dos cidadãos. Na maior cidade, por exemplo, uma das primeiras ações do fundador de Lajeado, Antônio Fialho de Vargas, foi inaugurar um educandário público para os filhos dos primeiros colonizadores.

Mas, conforme documentos datados de 31 de julho de 1860, a necessidade de uma escola na região já era latente ano antes. Em um relatório escrito por Vargas e endereçado ao então conselheiro Joaquim Antão Fernandes Leão, presidente da “província de São Pedro do Rio Grande do Sul”, o fundador da principal cidade do Vale alertava para a escassez de ensino na região.

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(SEM LEGENDA)

“A colônia prospera com a concorrência voluntária dos colonos nacionais e estrangeiros que buscam a sua aquisição. De julho de 1859 a julho do corrente ano, nasceram nove e faleceu um. A colônia foi aumentada neste período, compreendendo 40 colonos. Ressente-se da necessidade de uma aula de instrução e de uma pequena capela para o culto.”

Anos depois, em 1890, o Livro dos Eleitores de Estrela traçava o perfil dos habitantes do então povoado de Santo Inácio de Lajeado. Entre eles, havia só um professor: Francisco Xavier Müssnich, irmão do também educador, Nicolau Müssnich, que mais tarde seria o intendente estrelense.

Dois anos depois, em 15 de janeiro de 1892, foi fundada a mais antiga escola do Vale do Taquari ainda em funcionamento. Na época, chamada de Escola Paroquial Evangélica. Hoje, Colégio Evangélico Alberto Torres (Ceat).

“É tolice não lutar pelos nossos direitos”

Em meados de 1982, a então professora de uma já extinta escola em Sampainho, Santa Clara do Sul, Ivone Heinrich, começou a sentir as dificuldades de conciliar a carreira no magistério com os filhos recém-nascidos. Salários baixos, falta de um plano de carreira e quase ou nenhum beneficio extra contextualizavam a vida de um educador na região.

As reuniões com líderes locais eram ríspidas. Quase não havia diálogo quando as conversas envolviam temas como melhores salários e planos assistenciais para os professores. Ivone lembra dos valores. Ganhavam cerca de um salário mínimo por 20 horas, e se trabalhassem mais 20 horas na semana, o acréscimo era de um terço dos vencimentos. “Foram muitos anos batalhando para que nos ouvissem. Não éramos aceitos. Era uma ‘guerrinha’. ”, conta.

Ela pensou em desistir. Mas voltou atrás. “Concluí que seria tolice deixar de lutar pelos nossos direitos.” Ivone foi a Porto Alegre visitar o Sindicatos dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers), onde buscou estatutos e informações para trazer aos colegas lajeadenses. No retorno, e com auxílio de outros profissionais como o Ney Arruda e Albano Wagner, fundaram uma associação.

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“Não queríamos sindicato porque teria que ser logo filiado à Central Única dos Trabalhadores (CUT). Não queríamos. Queríamos algo nosso. Para batalhar pelo nosso grupo. E por isso criamos uma associação”, relembra o marido de Ivone e primeiro presidente da Associação dos Professores Municipais de Lajeado – criada oficialmente só em 1986 –, Elemar Carmelo Heinrich.

Em 1988, há 30 anos, foi enfim criado o Sindicato dos Professores. Heinrich, que atuava como supervisor de 42 escolas e havia iniciado no magistério na já extinta Escola Almirante Barroso, no então distrito de Santa Clara do Sul, fez parte da diretoria.

Além das lutas sindicais, ele lembra do respeito por parte dos alunos. “Não havia local tão apropriado para trocar informação. Hoje é tudo tecnologia. É preciso se adaptar aos novos tempos.” Ivone vai adiante. “Éramos autoridades, respeitados por toda a comunidade. E os alunos, da mesma forma, tinham respeito extremo pelos seus professores.

Já sobre a posição atual do sindicato, Ivone lamenta algumas posturas que, segundo ela, não condizem com a “raiz” dessas organizações sociais. “Na nossa época éramos de fato uma oposição aos gestores, sempre lutando de forma enérgica pelos direitos da nossa classe. Hoje eu não percebo isso entre os representantes. Me parece que há sempre apoio ao executivo na maioria das decisões.”

Retorno para a sociedade

Diretor clínico do Centro Regional de Oncologia (Cron), uma das empresas apoiadoras do Pense, Hélio Roberto França Fernandes, ressalta a importância de valorizar o estudo e os professores. “Ao longo da história do Cron, nos associamos a eventos e iniciativas de interesse comunitário. Acreditamos que é por meio da educação que a sociedade encontrará a solução para os problemas do país.”

Fernandes destaca a proposta do Pense. Para ele, envolver os professores, as escolas, os alunos e a comunidade escolar no projeto é uma ação diferenciada e que merece comprometimento de diversas organizações regionais. “Temos de criar projetos contínuos. Com investimento na formação e na valorização dos professores, teremos como resultado estudantes mais preparados para o futuro.”

Destaca ações desenvolvidas em outros países. “Na Coreia do Sul, o governo escolheu a educação como prioridade. Após 50 anos de investimentos e programas dedicados à área, o país se transformou e hoje está entre as economias mais sólidas do mundo.”

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Para ele, em termos regionais, é preciso iniciar esse processo. “O Vale pode se tornar uma referência no RS e incentivar outras localidades.”

Sócio do Cron, o médico oncologista Hugo Schunemann lembra que a especialidade médica era pouco procurada quando ingressou na profissão, 30 anos atrás. “A maioria dos pacientes morria em questão de meses, então era muito deprimente.”

Segundo ele, graças a pessoas que acreditaram no futuro, hoje a realidade dos pacientes com câncer é muito diferente, com índices maiores de cura. “A única forma de mudarmos a realidade é por meio da educação. Vamos colher esses resultados daqui a 30 anos.”

Segundo ele, a participação no projeto ocorre por acreditar no futuro. Para Schunemann a ideia é positiva e deverá se tornar um programa contínuo.

Vice-reitor da Univates, Carlos Cyrne lembra que a instituição está diretamente envolvida na formação de professores desde a sua fundação. Segundo ele, o primeiro curso oferecido pela hoje universidade, em 1969, foi de licenciatura em Letras.

“Não poderíamos nos furtar de estar juntos nessa proposta que visa reconhecer os docentes que dedicam os seus cotidianos em formar o cidadão do Vale do Taquari”, destaca. Para ele, o principal mérito do projeto é reconhecer essas pessoas responsáveis não apenas pela formação técnico-científica, mas humana e cidadã.

Iniciativa além dos discursos

Na avaliação do prefeito de Lajeado, Marcelo Caumo, em muitos níveis governamentais a educação aparece como prioridade nos discursos. A partir disso, o Pense parte para a prática. “O programa é um exemplo clássico de como precisamos sair do campo das palavras para ações reais. Por meio do projeto, os diferentes organismos participantes estão depositando toda a confiança que a sociedade tem na atuação dos professores.”

Valorizar esse profissional, diz Caumo, é garantir uma formação contínua e incentivar a presenças das famílias nas escolas. “O professor é um apaixonado pela profissão. Sem dúvida é necessário um retorno financeiro condizente com sua responsabilidade. Ainda que não tenhamos atingido esse patamar, vemos no dia a dia que o professor é comprometido e entusiasmado apesar do grande desafio de educar.”

A partir disso, diz, o Pense é um instrumento para fortalecer o vínculo com os mestres. “Trata-se de uma competição sadia para incentivar ainda mais a criatividade dos projetos trabalhados em sala de aula.”

O Vale do Taquari, acredita Caumo, tem um perfil de congregar diferentes esferas da sociedade em prol de melhorias coletivas. Por meio do Pense, diz, se tem mais um exemplo de como é possível unir a sociedade e buscar soluções para problemas comuns.

Empatia no trato com a educação

Ter professores engajados, motivados e conhecedores dos desafios do ensino. Transformar o ensino apesar das dificuldades financeiras do Estado. É esse modelo defendido pela 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) para a rede pública.

Conforme a coordenadora da CRE, Greicy Weschenfelder, frente ao cenário de crise e parcelamento dos salários do funcionalismo, é fundamental estar ao lado do professor e reforçar a necessidade de enaltecer a autoestima, a proatividade e o engajamento dos profissionais. “Isso também é valorizar a classe. Esse é um trabalho do qual nós da coordenadoria temos como uma missão.”

Reitor da Univates Ney Lazari, com dois dos seus professores de infância, na época em que estudava em Sério e Boqueirão. O projeto cria a hashtag #aosmestrescomcarinho e estimula encontros entre alunos e ex-professores para enaltecer a importância e participação dos mestres na formação do indivíduo
Reitor da Univates Ney Lazari, com dois dos seus professores de infância, na época em que estudava em Sério e Boqueirão. O projeto cria a hashtag #aosmestrescomcarinho e estimula encontros entre alunos e ex-professores para enaltecer a importância e participação dos mestres na formação do indivíduo

Para Greicy, encarar o desafio de educar começa com empatia. “Temos de olhar para dentro de nós e reconhecer a missão e a responsabilidade de propagar o conhecimento apesar das dificuldades. Queremos que o professor vislumbre o poder de transformação de uma super aula.”

Conseguir tocar os alunos, fazer eles verem a importância da educação repercute na comunidade, acredita a coordenadora. “Podemos mostrar para todos, que com um trabalho efetivo, comprometido e por meio dos resultados, é possível encontrar soluções e melhorar a sociedade. A comunidade vai nos aplaudir quando conseguirmos isso.”

Thiago Maurique: [email protected]
Colaboração – Felipe Faleiro: [email protected] | Rodrigo Martini: [email protected]

 

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